Deixa o afeto te afetar
- Olha querido, passa pelo supermercado e compra fermento em pó. Vou fazer aquele bolo de alface com camarinhas. Aquele que gostas. Lembras-te?
- Sim querida, lembro. Aquele que te tinha pedido para fazeres no meu aniversário, mas que respondes-te: não me apetece fazer nada disso.
- Esse mesmo.
-Ainda bem que o vais fazer hoje.
-Mas querido hoje é Natal.
-Exato, aquele dia em que se come borrego assado, não é?
-Não querido! Isso é na páscoa!
-Hummm … desculpa! Estou a fazer confusão… Que queres que compre mais?
- Não é necessário mais nada … o resto já temos!
- Falas do amor, alegria, paz e sinceridade?
- Sim claro! E olha já agora, passa pela lavandaria e levanta o meu chapéu. Levei para lavar a seco, aquele de abas largas! Lembras? Necessito dele para levar à missa do Galo.
- Sempre gostei de te ver com esse chapéu querida … ficas mais inteligente!
Dia 358 de 2018, dia de Natal, ou melhor, noite de Natal. Aquele dia em que tudo é bonito, tudo é amigo e melhor, tudo é sorrisos … Aquele dia em que as operadoras de telecomunicações oferecem mais 365 mensagens, extra plafond. Aquele dia em que a paz do senhor falecido, senhor Belmiro, é relembrada com camarões, doces, docinhos, champanhe e beijinhos.
Aquele dia em que, se envia uma mensagem de sapatinhos cheios de beijinhos sentidos e que, por momentos, até de nós nos esquecemos. Aquele dia em que a hipocrisia das contradições de nós mesmos, atinge o ponto mais alto dos 365 dias.
Aquele dia em que: “desejo um feliz natal” é contraditória às frases e desejos dos dias anteriores.
Aquele dia em que: nos revelamos e até nos contradizemos ao mais alto nível.
Aquele dia em que: nos tronamos absurdos.
Aquele dia em que: parece mal dizer mal, dos que dizem mal, e que mal nos fazem!
Mas afinal porque estou eu a escrever essas palavras horas antes da noite de consoada?
Porque também eu sou hipócrita. Porque também eu tenho mau feitio. Porque também eu me contradigo entre palavras e ações. Porque também eu tenho uma mascara. Porque também eu sou má pessoa.
Tal como o poeta romântico, que criou vários pseudónimos, com esperança que algum deles fosse amado pela sua amada, também eu, tenho 2 caras. Também eu, tenho duas palavras. Também eu faço parte deste grande teatro.
No entanto, há uma coisa que nunca tenho: dois sentimentos!
Por isso, que me desculpem a minha sinceridade, dentro da sinceridade, de ser sincero comigo! Não desejo feliz natal a ninguém! Desejo muitas outras coisas, mas nunca “feliz natal”.
Desejo felicidade para todos e em todos os dias - isso não é mau feitio, não é nenhum tipo de ressabiamento, não é nada do que as “vossas” cabecinhas cinéfilas estarão a imaginar ou a realizar neste momento!
Desejo que, os desejos de hoje, sejam transportados para os restantes 364 dias do ano!
Desejo mais amor, menos guerra, menos ódio. Desejo mais compreensão, menos hostilidade. Desejo mais pasteis de nata, menos laranjas azedas. Desejo mais amizade, menos hipocrisia. Desejo mais ouvidos, menos palavras. Desejo mais sintonia entre o que se pratica e o que se diz. Desejo mais felicidade, em vez de, mal dizeres. Desejo que se façam menos filmes e que se “tirem” mais fotografias. Desejo menos ruido e mais música. Desejo mais rosas e menos espinhos. Desejo mais sintonia entre as palavras e ações. Desejo mais capacidade de reconhecer o outro, não pelos nossos olhos, mas por aquilo que o outro é na verdade. Desejo mais capacidade de analisar o que nos rodeia e menos espelhos de nós próprios. Desejo que as crianças não cresçam. Desejo que os adultos vivam com sorrisos na mão. Desejo muito mais coisas, que não cabem nestas palavras mas sim, que tenham lugar nas nossas ações …
Desejo que os 365 dias do ano, sejam, Natal! Desejo que todos vejam a vida, não pelos seus óculos, mas pelos seus olhos e sentimentos! Desejo que o dia de ontem, não nos faça perder a capacidade de ver o dia de hoje … desejo que as amarguras do passado, não nos toldem e que consigamos, viver as alegrias do presente! Só isso! Mais nada!